Os Crimes Eleitorais vem merecendo atenção maior de estudiosos e doutrinadores, dado os últimos acontecimentos que ocorrerão e ocorre em nosso cenário político.
Essa atenção é fruto da conscientização da importância do Direito Eleitoral, como consolidação de nosso Estado de Direito e das plenas liberdades democráticas, especialmente as consagradas com a promulgação da Constituição Federal de 1988.
A sistematização e análise dos Crimes Eleitorais não é tarefa fácil, já que não há regras próprias de processamento judiciário, a não umas poucas no Código Eleitoral e em outras raras leis que regem o tem.
Assim, as regras de Direito Processual Penal e Direito Penal são aplicadas subsidiariamente aos Crimes Eleitorais, como forma de interpretar e integrar as normas que regem o tema.
Desse modo, procura-se nesse texto fornecer uma informação clara e precisa ao leitor sobre os Crimes Eleitorais, a competência para apurá-los e julgá-los, os procedimentos de apuração e as partes legitimas para agir.
Crimes eleitorais são atitudes anti-sociais lesivas à regra jurídica preestabelecida, sendo que essas atitudes são vinculadas aos atos eleitorais, isto é, do alistamento do eleitor à diplomação do eleito.
Unânime é o entendimento de que são considerados crimes eleitorais os que buscam atingir as eleições em qualquer das suas fases, desde a inscrição do eleitor até a sua diplomação.
O crime eleitoral, doutrinariamente, é uma espécie do crime político. Estes podem englobar os crimes contra a segurança do Estado e os crimes eleitorais, que são atentatórios à lisura dos atos eleitorais, ou praticados com objetivos eleitorais.
Segundo Fávila Ribeiro[1], “os crimes políticos dividem-se em duas categorias, estando a primeira ocupada pelos crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social; e a segunda referir-se-ia aos crimes eleitorais”.
“De um modo geral, pode-se indicar como crimes políticos aqueles que se dirigem contra a segurança do Estado e a integridade das suas instituições políticas.
Consideram-se nesta categoria tanto os crimes praticados contra a ordem políticas da União, como os que sejam praticados contra a ordem política dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios. Quando falta uma definição ou mesmo uma discriminação legal de crime político, a doutrina tem encontrado dificuldades em estabeler esta noção”
Desse modo acredita-se que por atingirem diretamente a ordem política do Estado, os crimes eleitorais são classificados como espécie do gênero crimes políticos, que são os crimes dirigidos contra a ordem política e social do Estado.
Nesse sentido, destaca Nelson Hungria, “crimes eleitorais, exatamente apreciados são, por conseqüência, crimes contra o Estado ou contra a Ordem Pública”[3]
Importante ressaltar que os crimes eleitorais não estão vinculados ao Direito Penal Comum. Os crimes e as penas, o processo de apuração, desde a denúncia até o trânsito em julgado, estão disciplinados nas leis eleitorais, dentre quais podemos citar: o Código Eleitoral, a Lei de Inegelibilidades, Lei Geral das Eleições (Lei Complementar n. 64/90) e a Lei dos Partidos Políticos.
Ao se analisar os Crimes Eleitorais, deparamos-nos com duas indagações: ou a imputação do delito é penalmente atípica, e, assim, não há justa causa para desencadear o processo; ou o fato se enquadra perfeitamente dentro dos tipos proibitivos das normas eleitorais, caracterizando dolo suficiente para dar prosseguimento ao processo a fim de apurar, identificar e punir aos autores e aí, ou a acusação procede ou não procede.
José Joel Cândido entende que ‘‘se a ação do agente for manifestamente com escopo eleitoral, eleitoral será o crime; caso contrário, o crime será comum’’[4].
Forte corrente doutrinária entende que os crimes eleitorais são crimes ‘‘especiais’’, por não estarem contemplados nem no Código Penal, nem no Código de Processo Penal.
O Superior Tribunal Federal entende que ‘‘os crimes eleitorais incluem-se entre os crimes comuns’’[5], e esta é a orientação jurisprudencial firme. Não se situa entre os demais crimes políticos, como os relacionados com a segurança nacional e, portanto, não têm nem o rito processual nem as penalidades a estes relativas.
Como toda legislação penal, a legislação penal eleitoral tem uma série de dispositivos de cunho geral, em seguida elenca os crimes eleitorais e as penalidades respectivas, e finalmente trata do processo das infrações.
Além disso, existe o aspecto do uso dos meios de comunicação de massa para o cometimento de crimes eleitorais, quando o Código Eleitoral assim preceitua:
‘‘Art. 288 — ‘‘Nos crimes eleitorais cometidos por meio da imprensa, do rádio ou da televisão, aplicam-se exclusivamente as normas deste Código e as remissões a outra lei nele contempladas’’.
A polícia judiciária encarregada de investigar os crimes eleitorais é a Polícia Federal, embora, admite-se a atuação conjunta da Polícia Civil e até mesmo da Polícia Militar por solicitação da Polícia Federal, requisição da Justiça Eleitoral ou até mesmo de ofício (Dec.-lei n. 1.064/69, Decreto Federal n. 73.332/73 e Resolução TSE n. 11.494/82.).
Em regra a denúncia ou a queixa subsidiária pertinente a crime eleitoral deverá ser apresentada ao juiz eleitoral do lugar do crime, observadas as regras do artigo 6.º do Código Penal[6].
Assim, qualquer cidadão que tiver conhecimento de infração penal eleitoral deverá comunicá-la ao juiz eleitoral da zona onde a mesma se verificou, e esse remeterá a notícia ao Ministério Público.
Caso o autor do delito desfrute de prerrogativas funcionais, o processo e o julgamento será deslocado do Juiz Eleitoral para o Tribunal Regional Eleitoral, caso o crime eleitoral seja praticado por um Juiz Eleitoral, um promotor eleitoral ou um prefeito; para o Superior Tribunal Judiciário, caso o crime eleitoral seja praticado por um governador; ou para o Supremo Tribunal Federal, caso o do crime eleitoral seja praticado pelo Presidente da República, Deputado Federal ou Senador. O rito do processo nos tribunais, segundo prevalece na jurisprudência, é o da Lei n. 8.038/90 por força da Lei n. 8.658/93).
Essa regra de competência também será observada nos casos de habeas corpus, cuja matéria verse sobre crimes eleitorais.
De acordo com o artigo 53 da Constituição Federal, na redação da Emenda Constitucional n. 35, de 20.12.2001, os Deputados Federais e os Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões palavras e votos (inviolabilidade denominada imunidade material ou real).
O § 3.º do artigo 53 da Constituição Federal, por sua vez, alterou as regras da imunidade processual (formal) e passou a estabelecer uma espécie de moratória processual.
Com isso, dispensou a prévia autorização da casa legislativa para o recebimento de denúncia contra deputado (federal ou estadual) ou senador.
Pelas novas regras, ao receber a denúncia contra deputado ou senador, por crime ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal, ou o Tribunal de Justiça no caso de deputado estadual, dará ciência à casa legislativa a que pertence o parlamentar.
Os crimes eleitorais são julgados mediante ação penal pública incondicionada (artigo 355 do Código Eleitoral), já que o Estado é o principal sujeito passivo dos delitos de tal natureza.
Deferido o pedido de arquivamento do inquérito policial, não cabe recurso, nos termos da Súmula n. 524 do Supremo Tribunal Federal. Caso discorde do pedido de arquivamento, o juiz eleitoral deverá remeter as peças ao Procurador Regional Eleitoral, e não ao Procurador-Geral de Justiça, que poderá insistir no pedido de arquivamento, caso em que o juiz deverá arquivar o expediente, oferecer denúncia ou designar outro promotor para oferecê-la (artigo 357 do Código Eleitoral).
No entanto, possuindo desde logo elementos suficientes para ofertar a denúncia, o Ministério Público poderá dispensar o inquérito policial. O Ministério Público não está obrigado a informar a fonte de suas informações.
O prazo para o oferecimento da denúncia é de dez dias, esteja o acusado preso ou solto, e, em regra, a competência para o seu julgamento é do juiz eleitoral.
A denúncia ofertada pelo Ministério Público desde logo deve especificar as testemunhas, em número de cinco, crimes punidos com pena de multa e/ou detenção, ou oito, crimes punidos com pena de reclusão.
Não há previsão de interrogatório, o qual poderá ser facultado pelo juiz eleitoral ao acusado.
Recebida a denúncia, o acusado é citado para contestar em dez dias, seguindo-se com a colheita dos depoimentos das testemunhas e com as alegações finais (arts. 355 a 364 do CE).
Não havendo pena expressamente prevista, aplicam-se os prazos mínimos previstos no artigo 284 do Código Eleitoral, ou seja, 15 dias para os crimes punidos com detenção, e um ano para os crimes punidos com reclusão.
A execução da pena por crime eleitoral será realizada pelo Juízo das Execuções Criminais, nos termos da Súmula n. 192 do Superior Tribunal de Justiça.
O acompanhamento de medidas suspensivas decorrentes do artigo 89 da Lei n. 9.099/95 é feito pelo próprio Juízo eleitoral (Juízo processante), conforme decidiu o Superior Tribunal de Justiça no Conflito de Competência n. 18.673, DJU de 19.5.1997.
Durante os efeitos da condenação, o sentenciado fica com seus direitos políticos suspensos (artigo 15, inciso III, da Constituição Federal).
Quanto aos direitos políticos passivos (elegibilidade), há que se observar que os condenados criminalmente, com sentença transitada em julgado, pela prática de crimes contra a economia popular, a fé pública, a administração pública, o patrimônio público, o mercado financeiro, por crimes eleitorais e por tráfico de entorpecentes, permanecerão inelegíveis por três anos após o cumprimento da pena (artigo 1.º , inciso I, alínea “e”, da Lei Complementar n. 64/90).
Das sentenças condenatórias ou absolutórias cabe recurso, normalmente denominado apelação criminal, no prazo de dez dias (artigo 362 do CE). Esse recurso é o único com efeito suspensivo.
Contra as decisões previstas no artigo 581 do Código de Processo Penal, cabe o recurso em sentido estrito, no prazo de cinco dias.
Em face das decisões do Tribunal Regional Eleitoral cabem recurso especial (artigo 121, § 4.º, incisos I e II, da Constituição Federal) ou recurso ordinário (artigo 121, § 4.º, inciso V, da Constituição Federal), no prazo de três dias.
Contra decisão do Presidente do Tribunal Regional Eleitoral que negue seguimento ao recurso especial cabe agravo de instrumento, em três dias (artigo 279 do CE).
Contra as decisões do Tribunal Superior Eleitoral cabem recurso extraordinário ou recurso ordinário (se decisão denegatória de habeas corpus ou mandado de segurança), em três dias.
No processo e julgamento dos crimes eleitorais e dos crimes comuns que lhe forem conexos, assim como nos recursos e na execução que lhes digam respeito, aplicar-se-á, como lei subsidiária ou supletiva, o Código de Processo Penal (artigo 364 do CE).
- A AÇÃO PENAL PRIVADA SUBSIDIÁRIA DA PÚBLICA
Como bem leciona o Professor Fávila Ribeiro [7], que “a regra do artigo 355 do Código Eleitoral não mais prevalece em termos absolutos, diante do que vem estipulado no artigo 5.º, inciso LIX, da Constituição Federal, que admite ação privada nos crimes eleitorais caso a ação pública não seja intentada no prazo legal.
De acordo com o inciso LIX do artigo 5.º da Constituição Federal, será admitida ação penal privada nos crimes de ação penal pública, se esta não for intentada no prazo legal.
A ação penal, em regra, é pública incondicionada. Prevalece o interesse do Estado e o Ministério Público oferece a denúncia, independentemente do interesse da vítima.
Conforme estabelece o artigo 129, inciso I, da Constituição Federal, compete privativamente ao Ministério Público promover a ação penal pública, na forma da lei.
No entanto, o inciso LIX do artigo 5.º da Constituição Federal e a lei infraconstitucional (artigo 29 do CPP e artigo 100, § 3.º, do CP) admitem a ação penal privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada pelo Ministério Público no prazo legal.
Prevalece o entendimento segundo o qual só cabe a ação penal privada subsidiária da pública, a queixa subsidiária ofertada pelo ofendido por seu advogado, e que deve conter os mesmos elementos de uma denúncia, nos casos de inércia do Ministério Público, ou seja, se o Ministério Público, no prazo que lhe é concedido, não oferecer denúncia, não requerer diligências e não pedir o arquivamento das peças de representação ou do inquérito policial.
O Supremo Tribunal Federal já decidiu que cabe a ação penal privada subsidiária da pública, caso o Ministério Público só se pronuncie pelo arquivamento após o prazo legal (RT 575/478 e 647/345).
O prazo para apresentação da queixa subsidiária, salvo expressa disposição em contrário, é de seis meses, contados do dia em que se esgotar o prazo para o oferecimento da denúncia, sob pena de decadência (causa de extinção da punibilidade), nos termos do artigos 103 do Código Penal e 38 do Código de Processo Penal.
Como o Ministério Público deve acompanhar todos os termos do processo e retomá-lo caso o querelante seja negligente, não há que falar em perempção (perda do direito de demandar em face da inércia do querelante nas ações exclusivamente privadas – artigo 60 do CPP) nas ações decorrentes de queixa subsidiária.
Recebida a denúncia, o acusado é citado para contestar em dez dias, seguindo-se com a colheita dos depoimentos das testemunhas e as alegações finais com prazo de cinco dias para cada uma das partes (arts. 355/364 do Código Eleitoral).
5- CONCLUSÃO
Os Crimes Eleitorais, assim como qualquer outro delito criminal deve ser punido com a devida rigorosidade pela autoridade competente, seja ela judiciária ou policial.
Essa rigorosidade deve ser compatível com o prejuízo causado pela conduta criminosa, haja vista que na maioria dos tipos penais eleitorais o dano estende-se a toda a sociedade e a organização do Estado Democrático de Direito.
Ressalte-se que a maioria dos Crimes Eleitorais são cometidos ou envolvem indivíduos com imunidade e privilégios políticos, ou pessoas que exercem cargos públicos e por isso detém um certo grau de poder.
No entanto, é necessário romper esse poder e demonstrar que o Estado Democrático de Direito é mais forte.
Para tanto é necessário uma aplicação mais rígida da legislação no sentido de coibir a prática de novos delitos, e conscientizar a população da necessidade de denunciar os criminosos eleitorais.
Assim, somente com a efetiva e real aplicação da justiça poderemos evitar a sensação de impunidade que reina entre os indivíduos que cometem os Crimes Eleitorais.
AFONSO DA SILVA, José – Curso de Direito Constitucional, 9ª ed. São Paulo, 1994
CÂNDIDO, Joel José, Direito Eleitoral Brasileiro, 7ª ed., Editora Edipro, São Paulo, 2003.
COSTA, Tito, Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral, Editora Juarez de Oliveira, São Paulo, 2002
FÁVILA RIBEIRO, Direito Eleitoral, Editora Forense, 4ª ed., São Paulo, 1996
HUNGRIA, Nelson Comentários ao Código Penal, 4ª ed., vol. I, tomo II, Rio de Janeiro.
MOREIRA REIS, Palhares. Crimes Eleitorais, Disponível em: <http://www.neofito.com.br/artigos/art01/juridi40.htm>
[1] Favila Ribeiro, Direito Eleitoral, Editora, 1976, p. 464.
[2] Cláudio Pacheco, Tratado das Constituições Brasileiros, Editora Freitas Bastos, 1965 – Vol. VII, p. 203.
[3] HUNGRIA, Nelson Comentários ao Código Penal, 4ª ed., vol. I, tomo II, p.57.
[4] Disponível em: http://www.dicasdireitoeleitoral.blogspot.com/
[5] RTJ 33/509; 63/5-6.
[6] Art. 6º - Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado.
[7] RIBEIRO, Fávila. Direito Eleitoral. 5.ª ed.. Forense. p. 704
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