Wilson Pedro dos Anjos. Bacharel em Direito, Pós Graduado em Direito Constitucional e licenciado em Geografia. Analista Judiciário, Assessor Jurídico e Coordenador de Assessoramento ao Pleno do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul (TRE/MS).
A REFORMA POLÍTICA E AS MUDANÇAS NO ATUAL SISTEMA PROPORCIONAL
A partir do fato consistente na eleição recente do humorista Tiririca ao cargo de deputado federal, obtendo votação expressiva e que levou também à eleição outros candidatos sem expressão política e de votos, engendrou-se no país a necessidade – urgente e prioritária – de uma reforma política, incluindo, dentre tantos itens, a mudança no sistema eleitoral de forma proporcional, a partir do qual se elege os membros do Poder Legislativo.
Acompanhando, na medida do possível, os trabalhos da Comissão Especial de Reforma Política
do Senado Federal, pode-se ver que foi aprovada, no seio da Comissão, modificação substancial no sistema político proporcional, não permitindo a formação de coligações e adotando o sistema com lista partidária.
Em reportagem acerca da questão político-partidária atual no Brasil, a revista Veja (9 de março)
aduziu sobre a necessidade de ressuscitar o Congresso Nacional, mormente quando o sistema hoje utilizado para eleger os deputados é um dos piores sistemas políticos já imaginados, pois não atendeu à missão de juntar o eleitor aos seus representantes, afastando-os diametralmente.
Não obstante o claro afã da classe política, que defende como anseio popular, de introduzir tais
reformas, penso que se deve discutir de forma mais ampla e científica as propostas a serem aprovadas, sob pena de se dar um tiro no pé, aliás como ocorreu recentemente com a denominada Lei da Ficha Limpa, a qual foi aprovada pelo Congresso com base em clamor público(e pensamento na votação parlamentarpróxima) e, ao ser aplicada concretamente, suscitaram-se diversas discussões quanto à sua eficácia.
Ora, sem dúvida que não há sistema político ideal, mas uns são menos imperfeitos que outros; no entanto, há de prevalecer a ideia de que o sistema eleitoral adotado por um país exerce influência sobre a forma de governo, a organização partidária e a estrutura parlamentar, refletindo até certo ponto a índole das instituições e a orientação política do regime (Paulo Bonavides, em Ciência Política). De efeito, a introdução de reformas em tema de tão grande magnitude no país deve ser precedida de amplo debate parlamentar, lastreado por estudos de cunho científico, não se permitindo apenas que determinados fatos, por si só, sejam suficientes a autorizar profundas modificações em referidas questões políticas, as quais, por sua natureza, não possuem efetivo consenso de opiniões e estudos, mas apenas correntes doutrinárias que adotam esta ou aquela postura de acordo com a oportunidade e conveniência que defendem.
Deve-se, sobremaneira, levar em consideração a complexidade que é a nossa Federação, em seus
setores sociais, econômicos, bem como que nada deve deixar à margem da discussão as premissas sobre a soberania popular, a liberdade do sufrágio e a legitimidade do voto, como garantia da plenitude do exercício do poder, o qual, em sua esfera representativa, deve ser desprovido do poder econômico. Aliás, assenta-se que este quase sempre sobrevém com a formação das alianças partidárias e financiamento das campanhas pelo setor privado, que cobrará a contrapartida da atuação do parlamentar em seu mandato.
Tão criticado, o sistema proporcional adotado pelo Brasil, que se perfaz com a ideia de
democracia participativa, possui a vantagem de garantir a presença das minorias segundo o número de votos obtidos e se afeiçoa à expectativa de representação de maior número de setores da comunidade, com a representação política de grupos de interesse com diferentes correntes ideológicas, que se institucionalizam em partidos políticos dinamizando o pluralismo democrático.
De outro lado, tal sistema, em seu aspecto prático, permite que haja uma multiplicidade de
partidos, desintegrando o sistema – daí talvez uma das grandes críticas. Há uma formação de alianças (coligações) entre partidos apenas de forma oportunista, sem qualquer liame entre os temas ideológicos
que os identificam, visando sempre ao exercício do poder com a formação de uma maioria no parlamento sem qualquer relação com a efetiva votação eleitoral, mormente quando (partido pequeno) se escolhe um candidato famoso (ente de grande aceitação popular de determinada categoria profissional ou religiosa) para ser o denominado puxador de votos, trazendo, consigo, candidatos inexpressivos em formação sóciopolíticae cultural.
Neste diapasão, a mudança buscada pela classe política, sob o pretexto de anseio popular, não
deve ser permeada apenas pela alteração mecânica do sistema, com o pensamento de que assim estará resolvida a votação quantitativa de uns, levando outros sem qualquer representatividade, com prevalência da votação qualitativa. Esta passa por uma discussão acerca das estruturas culturais (incluindo a política) da sociedade e, por conseguinte, do eleitorado, o qual deve ter bom senso no seu livre exercício de voto consciente aos anseios que requerem a autêntica representação política de determinada região.
Não se prestam, portanto, como se voto de protesto fosse, a votação em cidadão público de fama televisiva, esportiva, religiosa e outras categorias, desprovidos totalmente de conhecimento político, científico e social dos temas que deverão ser debatidos na casa legislativa.
As eleições fenomenais do Senhor Tiririca, do Senhor Clodovil, do Senhor Enéas e de tantos
quantos que com eles foram, não devem ser atribuídas apenas às mazelas ou defeitos do sistema
proporcional, já que tantos outros motivos justificadores de cunho social e cultural existem a partir do eleitorado.
Há que predizer que a adoção da votação com lista partidária no sistema proporcional, quando o
partido organiza e registra a lista de candidatos e a submete aos eleitores, também pode carrear distúrbios políticos e eleitorais. Isto se não alterada a sistemática do financiamento de campanhas, com a presença maciça do poder dos grandes partidos e do poder econômico de cidadãos a figurar na cabeça da lista para ser eleito (fechada) ou com a sua influência para obter a votação necessária e ser o mais votado na lista (aberta).
Assim, seria patente o desprestígio na formação dos partidos pequenos e, inclusive, da
representatividade no parlamento dos grupos ideológicos minoritários, aflorando, consequentemente, a clandestinidade ou a pressão exterior nociva que tais grupos, se excluídos, comandariam contra as casas legislativas, nelas se infiltrando por outras vias.
E, apenas com o intuito de auxiliar, deve-se atentar para a possibilidade de adoção do sistema do
voto distrital que, por certo, possui mais possibilidade de minimizar os desvios e falhas então reclamadas, quando então haveria um quantitativo (50% ou qualquer outro número de vagas) de parlamentares a serem eleitos pelo sistema majoritário (eleição pelo maior número de votos) e o restante das vagas seria distribuída conforme o sistema proporcional (de acordo com a votação feita no partido).
Portanto, o que se espera do Congresso, no engendramento da reforma política quanto a
eventual alteração do sistema proporcional de voto, é que seja fomentado o debate com base científica e participação maciça de setores especializados na matéria, convergindo para que as posturas partidárias, os ideários e os formatos governamentais não permitam que o direito de sufrágio seja apenas um a mais, entre tantos, a ser cumprido, preterindo a autêntica representação política que deve ser associada, sempre, com a finalidade de
exercício pleno da soberania popular.
Fonte:www.tre-ms.jus.br
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