sexta-feira, 9 de setembro de 2011

O SURSIS PROCESSUAL E A INELEGIBILIDADE


Elaborado em 01/2002.
O Direito Eleitoral é apaixonante e ao mesmo tempo abrangente porque, a cada dia, ao trocar idéias acerca de algumas teses ou matérias da seara jurídica eleitoral, sempre surge uma situação fática que, por mais que se tenha conhecimento de sua estrutura normativa, deixa os interlocutores em dúvida quanto a melhor solução para aquele caso exposto ou indagado.
A princípio, temos que isto surge em vista do fato de que o Direito Eleitoral trata, em sua essência, de um dos princípios fundamentais da cidadania: direito de votar e ser votado como meio de participar ativamente da estrutura governamental no que diz respeito aos interesses políticos do Estado. Assim, como discorreremos adiante, o objeto desta matéria jurídica se encontra circunstanciado pelos direitos políticos e pelas eleições/pleito eleitoral.
Pois bem. No presente artigo pretendemos expressar acerca de uma situação hipotética que diz respeito ao tema sursis processual e inelegibilidade, expressando-a nos seguintes termos: a suspensão condicional do processo criminal, ofertada pelo Ministério Público nos termos do art. 89 da Lei nº 9.099/95 e aceita pelo agente, gera a inelegibilidade?
A par disso, no entanto, temos que o presente tema é oportuno, pois estamos na precedência de ano eleitoral e tal situação pode se abastar quando do período denominado processo eleitoral através da fase de registro de candidaturas e possíveis e eventuais impugnações. Para se adentrar ao objeto do presente trabalho, necessidade se tem de delinear acerca de determinados temas que, por via ordinária e direta, levarão a uma melhor compreensão do que se pretende.
O Direito Eleitoral, como ramo do direito público, trata de matéria que diz respeito desde os atos preparatórios do pleito eleitoral até o momento da diplomação dos eleitos (período a que se denomina de processo eleitoral ou processo eletivo).
Desse modo, é o conjunto de normas e procedimentos que organizam e disciplinam o funcionamento do poder de sufrágio, bem como regulamentam os partidos políticos, o alistamento eleitoral, a filiação partidária, as eleições, a apuração dos votos, a diplomação dos eleitos, as pendências eleitorais, a imposição de penas aos infratores de conduta eleitoral, a Justiça Eleitoral, disciplinando a participação do povo na formação do governo e os direitos políticos de modo que se estabeleça a precisa equação entre a vontade do povo e a atividade governamental.
Obedece aos parâmetros delineados pela constituição federal, pois regula os deveres do cidadão em suas relações com o estado (como entidade político-jurídica – governo, administração) para sua formação e atuação, bem como os direitos políticos conseqüentes do adimplemento do dever eleitoral. Assim, objeto do direito eleitoral encontra-se fundamentado, precipuamente, nos direitos políticos, eleições e hipóteses de consulta popular (plebiscito, referendo e iniciativa popular).
Nesse âmbito particular, delinearemos apenas acerca dos direitos políticos, que, conceitualmente, nas expressões de José Afonso da Silva, in Curso de Direito Constitucional Positivo, 9ª ed., ver., São Paulo: Malheiros, 1993, p. 305, verbis:
"consistem na disciplina dos meios necessários ao exercício da soberania popular, o que, em essência, equivale, para o regime representativo, (...). O poder de que dispõe o indivíduo para interferir na estrutura governamental, através do voto".
Por sua vez, Celso Ribeiro Bastos escreve que os direitos políticos são o poder que qualquer cidadão tem na condução dos destinos de sua coletividade, de uma forma direta ou indireta, vale dizer, sendo eleito ou elegendo representantes próprios junto aos poderes públicos.
Os direitos políticos, adquiridos mediante o alistamento eleitoral (art. 14, § 1º, da Constituição Federal), que é condição de elegibilidade (art. 14, § 3º, inciso III, da Carta Magna), consistem num desdobramento do princípio democrático inscrito na Constituição Federal, assim assentado:
"Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição".
Delineamos, ainda, que o direito de sufrágio é a essência do direito político, expressando-se pela capacidade de eleger e de ser eleito, e se apresenta sob dois aspectos: capacidade eleitoral ativa: direito de votar – alistabilidade; capacidade eleitoral passiva: direito de ser votado – elegibilidade.
Como se vê, ao se referir a direitos políticos, surge sempre a noção de ocupação de uma função, junto ao poder de Estado, através do processo eletivo, daí ter a necessidade de um mecanismo jurídico que possa estruturar, organizar e disciplinar, de forma concreta, este processo, ou seja, as eleições. Isto porque o direito de sufrágio não surge naturalmente, pois o exercício de uma função pública pressupõe certos requisitos de habilitação e capacidade em vista de ser um meio de atuação do poder público na sociedade.
Por assim dizer, considerando que as eleições, no seu atuar específico, estriba-se como mecanismo eficiente de selecionar os membros de um corpo social, instruídos, capazes e responsáveis, o Direito Eleitoral, através dos documentos normativos que o concretiza, deve e pode limitar, procurando dar legalidade e legitimidade ao sistema, a participação do indivíduo no sufrágio se não atender a certas condições preestabelecidas em consonância com mandamentos constitucionais. A representatividade não será legítima e, conseqüentemente, a ordem social não será livre e nem democrática, ante a inexistência de um estatuto jurídico de coordenação e concretização desse processo eletivo.
Diante de tais parâmetros oportunos, podemos adentrar, tanto quanto possível e s.m.j., no objeto do presente trabalho que incide quanto a hipótese de indivíduo, pretenso candidato a cargo eletivo, com suspensão condicional do processo criminal nos termos do art. 89 da Lei nº 9.099/95, ser dado, pela Justiça Eleitoral, como inelegível.
O mencionado dispositivo legal está assim firmado:
"Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do CP).
§ 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo submetendo o acusado a período de prova (...)".
Pelo visto, cabe a suspensão condicional do processo – medida despenalizadora –, que será feita mediante proposta exclusivamente pelo Ministério Público e apresentada concomitantemente ao oferecimento da denúncia, em todos os casos de ação penal pública, e recebida pelo Juiz, a quem compete designar audiência e intimar o agente que, acompanhado de advogado, deve aceitar ou não os termos da proposta, mediante homologação judicial.
Desta forma e a princípio, deve-se assentar que é perfeitamente cabível a aplicação, na seara eleitoral, do instituto jurídico da suspensão condicional do processo disciplinado pela Lei nº 9.099/95, ao criar os juizados especiais criminais, não obstante inexistir no âmbito eleitoral tais órgãos judiciários, mormente considerando que a finalidade dessa lei foi a de apresentar alternativas ao confinamento dos infratores no cárcere, afastando, assim, da prisão aquelas pessoas que tenham cometido infrações mais leves, de menor lesividade social.
Trata a suspensão condicional do processo de transação processual em que o titular da ação abre mão de seu prosseguimento e da busca de uma condenação, enquanto o acusado, sem discutir sua responsabilidade pelo delito, submete-se, por certo tempo, ao cumprimento de determinadas condições. Assim, com o decurso de tal prazo, sem que tenha havido revogação, será decretada a extinção da punibilidade.
O Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o Habeas Corpus
nº 9.244-RS, por sua 5ª Turma, sob a relatoria do Ministro Edson Vidigal, assentou que:
"Tratando a hipótese de delito que comporte pena não superior a um ano, é de se aplicar a Lei 9.099/95, não importando a justiça competente para o julgamento do feito. A aplicação da norma penal mais benéfica impositiva. Precedentes do STJ e do STF".
Quanto à questão de elegibilidade, apraz-nos assentar que para uma pessoa poder concorrer a qualquer cargo eletivo deve ela possuir as condições de elegibilidade, dispostas no art. 14, § 3º, da Constituição Federal, quais sejam: a nacionalidade brasileira, o pleno exercício dos direitos políticos, o alistamento eleitoral, o domicílio eleitoral na circunscrição; a filiação partidária e a idade mínima. E, ainda mais, não incidir em nenhuma causa de inelegibilidade fixada constitucionalmente ou por lei complementar.
Por assim dizer, as inelegibilidades são impedimentos que, se não afastados por aquele que preencher os pressupostos de elegibilidade, obstam-lhe concorrer a cargo público eletivo. Assim, encontrando-se o cidadão nas hipóteses de privação de seus direitos políticos (perda ou suspensão) impossibilitado está de ver validamente o registro de sua candidatura por ausência de capacidade eleitoral passiva.
Dispõe o art. 15, inciso III, da Constituição Federal, que a perda ou suspensão de direitos políticos só se dará nos casos de condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos.
O exercício ativo e passivo da cidadania – direito de interferir na gerência política do Estado, através do voto e do direito de ser votado – só será obstado, dentre outras causas, pelo trânsito em julgado da decisão condenatória em vista da não-ocorrência do pleno exercício dos direitos políticos. Portanto, não transitada em julgada a sentença penal condenatória, não se pode falar em inelegibilidade.
Proposta a suspensão condicional do processo pelo Ministério Público, observando-se os requisitos legais, não se prossegue a ação penal com a eventual sentença condenatória e, portanto, não se reconhece qualquer culpabilidade do agente. Daí dizer que, recebida a denúncia nas hipóteses de escassa lesividade social, leve culpabilidade, cumpridos outros requisitos legais e proposto o sursis processual, não se fala em trânsito em julgado e, portanto, não ocorre a hipótese de suspensão dos direitos políticos.
Assim, tal instituto não soa de encontro aos princípios constitucionais da presunção de inocência, do contraditório e da ampla defesa, pois, homologada a suspensão condicional do processo, o agente não é declarado ou considerado culpado, até porque a sua responsabilidade penal não chega a ser apreciada em discussão, não se impondo, portanto, qualquer espécie de pena. Impõe-se, no entanto, condições que o agente se dispõe a cumprir, as quais, ao final e com a extinção da punibilidade, não se registram como antecedência.
Desta forma, cabe aqui assentar que a hipótese é diferente do instituto da suspensão condicional da pena, porque neste se requer sentença que decretou a pena do cidadão e, transitada em julgado, suspende os direitos políticos enquanto durarem seus efeitos.
Torquato Jardim deixou assentado que:
"O sursis, porque mera suspensão temporária da execução da pena, não afasta a inelegibilidade. (...) ‘O sursis e o livramento condicional em nada influem na suspensão dos direitos políticos, uma vez que os efeitos da condenação continuam existentes. Aliás, (...) a concessão de qualquer daqueles benefícios em nada afeta a pena acessória que a Constituição prevê’.
A suspensão dos direitos políticos ‘não está adstrita às hipóteses de aplicação das penas privativas de liberdade e ao encarceramento do condenado. Exige (o art. 15, III, CF) que, remetendo-se à legislação penal, a condenação continue produzindo efeitos penais ou extrapenais. Assim, os institutos jurídicos de política criminal visando à suspensão de aplicação da pena privativa da liberdade (sursis) ou antecipação provisória da liberdade (livramento condicional) não autorizam a cessação dos efeitos da suspensão dos direitos políticos’." (In Direito Eleitoral Positivo, 2ª ed., 1998, Brasília Jurídica, p. 75).
O Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba, respondendo a consulta formulada, deixou ementado que:
"Consulta Eleitoral. Ocorrência de inelegibilidade caso candidato a cargo eletivo venha a aceitar proposta de suspensão condicional do processo. Não caracterização da Inelegibilidade, que só ocorre com o fenômeno da res judicata.
Não gera efeitos secundários a suspensão do processo, porque nele não se decide sobre a culpabilidade do denunciado, muito menos se dá a perda ou suspensão dos direitos políticos, que só ocorrem com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória (art. 15, III, da Constituição Federal).
Resposta negativa à consulta" (Acórdão nº 30.015, de 22.04.98, relatoria do Juiz Ruy Formiga Barros).
Assim é que, conforme assentado, para que ocorra a suspensão dos direitos políticos, e daí a inelegibilidade, necessita-se do trânsito em julgado da condenação criminal, não incidindo tal no caso da hipótese do art. 89 da Lei nº 9.099/95, pois o indivíduo cumpre apenas condições dispostas, não se discutindo a culpabilidade do agente, que deve ser declarada a partir de sentença transitada em julgado.
Tem-se aqui o seguinte julgado:
"A suspensão dos direitos políticos somente ocorre com o trânsito em julgado da condenação criminal. Inquéritos policiais e ações penais pendentes de julgamento não acarretam a inelegibilidade.
O instituto da suspensão condicional do processo (Lei nº 9.099/95) não importa em reconhecimento de culpabilidade nem em aplicação de pena. Por isso, não gera inelegibilidade" (Acórdão nº 24.086, de 23.8.00, do TRE/PR, relatoria do Des. Roberto Pacheco Rocha, originado do Recurso Eleitoral nº 633/00, em que se discutia registro de candidatura).
Desta forma, temos, conclusivamente, que o instituto da suspensão condicional do processo, preconizado pelo art. 89 da Lei nº 9.099/95, perfeitamente aplicável à Justiça Eleitoral, não gera a inelegibilidade, pois esta só ocorre com o trânsito em julgado da sentença condenatória, e enquanto durarem seus efeitos, daí a suspensão dos direitos políticos nos termos do art. 15, inciso III, da Constituição Federal.

Autor

Wilson Pedro dos Anjos: Analista Judiciário, assessor jurídico e coordenador de assessoramento ao pleno do TRE/MS. É também licenciado em Geografia.
Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT
ANJOS, Wilson Pedro dos. O sursis processual e a inelegibilidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 55, 1 mar. 2002. Fonte: Revista www.jus.com.br - Acesso em: 9 set. 2011.


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