segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Ordem de Convocação de Suplentes e Juízo competente



JUÍZO COMPETENTE PARA AS DEMANDAS SOBRE A ORDEM DE CONVOCAÇÃO DOS SUPLENTES DE VEREADORES E DEPUTADOS
Autor do Artigo: Hardy Waldschmidt, Secretário Judiciário do TRE/MS e professor de Direito Eleitoral da ESMAGIS.

Nos últimos dias, a mídia tem veiculado notícias sobre as disputas entre suplentes de coligação e suplentes partidários para assumir vaga nas Casas Legislativas decorrentes de afastamento do titular mediante licença.

A disputa iniciou-se em razão de ato da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, que empossou o 1º suplente da coligação pela qual o parlamentar fora eleito, em face da renúncia de um deputado. Contra o ato da Mesa houve interposição de Mandado de Segurança no Supremo Tribunal Federal. Em 9.12.2010, o relator ministro Gilmar Mendes, levou a julgamento o pedido de liminar, tendo a Corte, por maioria, assentado que, no sistema eleitoral proporcional, os mandatos parlamentares conquistados pertencem aos partidos políticos e não às coligações.

A partir dessa decisão do Supremo Tribunal Federal, liminar, registre-se, as disputas se acentuaram e, em um efeito cascata, além da Câmara dos Deputados, imediatamente repercutiram nas Assembleias Legislativas, na Câmara Distrital e nas Câmaras de Vereadores, cujas Mesas Diretoras passaram a ter questionado judicialmente os seus atos de posse de suplentes.


Em artigo intitulado “A Ordem de Convocação de Suplentes de Vereadores e Deputados”, tivemos a oportunidade de manifestar o nosso entendimento sobre o tema, porém, neste, discorreremos sobre juízo competente para processar e julgar as demandas que versam sobre a ordem de convocação dos suplentes no sistema de representação proporcional, tema bastante polêmico, decorrente das disputas entre suplentes de coligação e suplentes partidários. A Constituição Federal partilhou a jurisdição ao instituir três justiças especializadas (trabalhista, eleitoral e militar) e duas comuns (federal e estadual), estabelecendo que a competência das Justiças especializadas se determina em razão da matéria, a da Justiça comum federal para as causas que envolvam a União e a da Justiça comum estadual para as demais matérias.


Para estabelecer o juízo competente faz-se necessário verificar inicialmente a natureza da matéria em discussão. No nosso entendimento, a matéria é eleitoral. Partindo dessa premissa, identificamos dispositivos legais expressos sobre o tema. Assim, contra o ato da Mesa Diretora pode ser impetrado Mandado de Segurança, dirigido: I) ao juiz eleitoral, tratando-se de vereador, conforme estabelece o art. 35, III, do Código Eleitoral; II) ao TRE, tratando-se de deputado estadual ou distrital, conforme estabelece o art. 29, I, e, do Código Eleitoral; III) ao STF, tratando-se de deputado federal, por força do art. 102, I, d, da Constituição Federal. Como é sabido, a Justiça Eleitoral é uma justiça especializada cuja atividade fim é a realização das eleições. Mas, de forma resumida, podemos asseverar que é o órgão competente para julgar as causas que: 1) versem sobre matéria eleitoral; 2) devem ser decididas à luz da legislação eleitoral; 3) dizem respeito às eleições, em sentido amplo; 4) tenham ingerência direta no processo eleitoral. 2 Ressalvada a hipótese do art. 102, I, d, da Constituição Federal, a matéria ora em debate, ordem de convocação dos suplentes no sistema de representação proporcional, está inserida no âmbito de atribuição da Justiça Eleitoral pelas seguintes razões: a uma, porque versa sobre matéria eleitoral; a duas, porque deve ser decidida à luz da legislação eleitoral; a três, porque diz respeito às eleições, em sentido amplo; e a quatro, porque tem ingerência direta no processo eleitoral.


É inquestionável que a competência para definição dos eleitos é da Justiça Eleitoral. Disso ninguém tem dúvida. Como decorrência lógica, é dela também a competência para definir a ordem de convocação dos suplentes no sistema de representação proporcional. O acessório não segue o principal? Ora, se a Justiça Eleitoral é competente para dizer quem são os eleitos, também deve ser para dizer qual é a ordem de convocação dos suplentes desses candidatos eleitos. Mas, no dia a dia dos órgãos judiciais, não é isso que vem ocorrendo. Há juízes que reputam competente a Justiça Eleitoral; outros, a Justiça comum. Reconheçamos, a questão é bastante polêmica. Alguns tribunais e doutrinadores adotam como regra que a competência da Justiça Eleitoral se encerra com a diplomação dos candidatos, limitando seu exame a um critério exclusivamente temporal, sem avaliar o conteúdo das matérias apresentadas, inclusive o Superior Tribunal de Justiça, órgão incumbido pela Constituição Federal de apreciar os conflitos de competência entre juízes de tribunais diversos. Segundo esse entendimento, após a diplomação, as questões relativas ao exercício do mandato ou posse dos eleitos devem ser examinadas pela Justiça comum. Temos que, nos dias atuais, não mais tem lugar a adoção do critério temporal para a fixação da competência, vez que não se coaduna com a dialeticidade do Direito e colide com o ordenamento constitucional vigente.


O tradicional recurso contra a diplomação, previsto no art. 262, I a IV, do Código Eleitoral, a ação de impugnação de mandato eletivo, prevista no art. 14, § 10, da Constituição Federal, a ação rescisória eleitoral, nos casos de inelegibilidade, prevista no art. 1º, da Lei Complementar n° 86 e a ação de perda de cargo eletivo por desfiliação sem justa causa, prevista na Resolução TSE nº 22.610/07, editada em cumprimento à determinação do Supremo Tribunal Federal, exarada nos Mandados de Segurança n.º 26.602, 26.603 e 26.604, demonstram de forma concreta que o critério temporal para a fixação da competência precisa ser urgentemente superado por seus adeptos. O eminente doutrinador, Rômulo Pizzolatti, desembargador federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em brilhante artigo intitulado “A competência da Justiça Eleitoral”, publicado na Resenha Eleitoral do TRE/SC, Florianópolis, volume 5, número 1, página 15/26, jan/jun/98, possui razão quando enfatiza à fl. 15: "O marco temporal da diplomação dos eleitos, portanto, pouco significa como critério determinante da competência: o que interessa é se os fatos dizem respeito às eleições, tomadas em sentido amplo (critério material)".


Por isso, sempre que a discussão judicial gravitar em torno de fatos que versem sobre matéria eleitoral; que devem ser decididas à luz da legislação eleitoral; que dizem respeito às eleições, em sentido amplo; ou que tenham ingerência direta no processo eleitoral (filiação partidária, domicílio eleitoral, convenção, registro, propaganda, eleição, prestação de contas, proclamação dos eleitos e dos suplentes e diplomação dos candidatos), a competência para apreciação será da Justiça Eleitoral. 3 Os julgados do STF e do STJ a seguir transcritos, que abordam conflito entre órgãos partidários e validade de convenção partidária, solucionam demandas envolvendo competência da Justiça Eleitoral, como podemos ver: 1) do Supremo Tribunal Federal Recurso em Mandado de Segurança, julgado em 6.4.1999 pela 1ª Turma, unânime, relator ministro Moreira Alves: EMENTA: Mandado de segurança. Conflito entre órgãos do mesmo Partido Político. Incompetência da Justiça Eleitoral. – Em si mesmo conflito entre órgãos do mesmo Partido Político não constitui matéria eleitoral para caracterizar a competência da Justiça especializada, a menos que possa configurar hipótese em que ele tenha ingerência direta no processo eleitoral, o que, no caso, não ocorre, não se configurando tal hipótese, como pretende o parecer da Procuradoria-Geral da República, pela simples circunstância de a dissolução do diretório partidário estadual, que, se existente, participa da escolha dos candidatos aos mandatos regionais, se ter verificado em ano eleitoral. Recurso ordinário a que se nega provimento. 2) do Superior Tribunal de Justiça Conflito de Competência n° 30.176, julgado em 10.10.2001 pela 1ª Seção, relatora mininistra Eliana Calmon: PROCESSO CIVIL – CONFLITO DE COMPETÊNCIA – CONVENÇÃO DE PARTIDO POLÍTICO: DISCUSSÃO EM TORNO DE DESAVENÇAS SURGIDAS NA CONVENÇÃO. 1. Estabeleceu-se como precedente desta Corte o entendimento de que só é competente a Justiça Eleitoral para processar e julgar os feitos relativos a questões eleitorais após iniciado o procedimento eleitoral. 2. Desavenças de pré-candidaturas, no âmbito da convenção partidária, são da competência da Justiça comum. 3. Conflito conhecido para declarar-se competente o juiz estadual suscitante. Conflito de Competência n° 36.655, julgado em 10.11.2004 pela 1ª Seção, relator ministro Peçanha Martins: CONFLITO DE COMPETÊNCIA. REGISTRO DE CANDIDATURA DE FILIADO EM PARTIDO POLÍTICO NEGADO. CONTROVÉRSIA “INTERNA CORPORIS”. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL. - Conforme jurisprudência pacífica desta Corte, nas causas envolvendo discussão acerca da validade da convenção partidária, a competência da Justiça Eleitoral só se caracteriza quando já iniciado o processo eleitoral. - A controvérsia sobre a validade de registro de candidatura de filiado em determinado partido político é de natureza “interna corporis”, questão esta a ser dirimida pela Justiça comum estadual. - Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 6ª Vara da Fazenda Pública de Fortaleza. Há ainda um caso emblemático, dirimido pelo STJ e posteriormente pelo STF, de uma demanda judicial ocorrida em Curitiba, logo após o encerramento do pleito eleitoral municipal de 1992, em razão do aumento do número de 33 para 37 vereadores, por resolução do legislativo municipal, que visava à diplomação e posse para a legislatura 1993/1996. Naquela demanda foi suscitado conflito positivo de competência entre a Justiça comum estadual e a Justiça Eleitoral, tendo o Superior Tribunal de Justiça (Conflito de Competência n.º 8406-7, julgado em 14.6.1994 pela 1ª Seção) declarado competente a Justiça Eleitoral, cuja ementa transcrevemos abaixo, recomendando aos interessados a leitura do respectivo voto: EMENTA: Competência. Candidatos a vereador diplomados como suplentes. Aumento do número de vagas na Câmara. Pretensão a que sejam diplomados como vereadores. Questão submetida à Justiça Eleitoral. Pedido de posse dos suplentes indeferido pelo presidente da Câmara. Ajuizamento de mandado de segurança junto à Justiça comum. Sentença concessiva da ordem confirmada pelo Tribunal de Justiça. Conflito de Competência suscitado pelo Ministério Público Federal. - Competindo à Justiça Eleitoral decidir matéria atinente à fixação de número de candidatos a vereador, diplomação e posse respectivas, inadmissível é a transferência da questão ao conhecimento da Justiça comum pelos interessados. - Conflito conhecido para, afastada a competência da Justiça comum, determinar o prosseguimento do pedido de providência nº 92/274, em trâmite perante a 1ª Zona Eleitoral de Curitiba. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acórdão os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, rejeitando a preliminar suscitada pelo Sr. Ministro Milton Luiz Pereira, conhecer do conflito e, no mérito, por unanimidade, declarar competente a Justiça Eleitoral, aplicando o disposto no artigo 122 do CPC, para declarar nulos os atos praticados pelo Tribunal de Justiça do Paraná, votando em menor extensão, quanto a esse aspecto, o Sr. Ministro Milton Luiz Pereira. 4 Já o Supremo Tribunal Federal, faltando menos de três meses para o final do mandato, julgou o Recurso Extraordinário n° 202.520-8, que combatia a decisão do STJ acima mencionada, declarando inviável o conflito positivo de competência, sem adentrar no mérito da questão. No entanto, não poderíamos deixar de apresentar alguns julgados do Superior Tribunal de Justiça contrários ao nosso posicionamento acerca do tema: 1) Conflito de Competência n° 108.023, julgado em 28.4.2010 pela 1ª Seção, relator ministro Castro Meira: CONFLITO DE COMPETÊNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA. NOMEAÇÃO DE VEREADORES SUPLENTES. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA COMUM. 1. Com exceção da ação de impugnação de mandato prevista no § 10 do art. 14 da CF/88, a competência da Justiça Eleitoral finda-se com a diplomação dos eleitos. Precedentes: CC 96.265/RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 1º.9.08; CC 1021/SP, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJU de 30.4.90; CC 9.534-4/RS, Rel. Min. Hélio Mosimann, DJU de 26.09.94; CC 92.675/MG, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 23.03.09; CC 88.995/PA, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 1º.12.08; CC 88. 236/SP, Rel. Min. Castro Meira, DJe de 17.3.08; CC 28.775/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, DJU de 17.09.01; CC 36.533/MG, Rel.Min.Luiz Fux, DJU de 10.5.04. 2. Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar mandado de segurança em que se discute a ordem de convocação de suplente à Câmara de Vereadores. 3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 1ª Vara do Foro Distrital de Américo Brasiliense - Araraquara/SP, o suscitado. 2) Conflito de Competência n° 92.675, julgado em 11.3.2009 pela 1ª Seção, relator ministro Benedito Gonçalves: CONFLITO DE NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA ELEITORAL E COMUM ESTADUAL. LEI COMPLEMENTAR QUE ALTEROU O NÚMERO DE VAGAS DE VEREADORES. SUPOSTA CONTRARIEDADE À LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO. MATÉRIA ESTRANHA À COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ELEITORAL QUE SE EXAURE COM A DIPLOMAÇÃO DOS ELEITOS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL. 1. A lide não envolve assunto referente à diplomação de vereadores, mas, quanto à composição numérica da Câmara Municipal, matéria esta que foge do âmbito da Justiça Eleitoral que se exaure com o ato de diplomação dos eleitos, segundo iterativa jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Nesse sentido: CC 23.183/SP, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Seção, julgado em 27.10.1999, DJ 28.2.2000; CC 19.776/SP, Rel. Ministro Ari Pargendler, Primeira Seção, julgado em 10.12.1997, DJ 2.2.1998. 2. Conflito de competência conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 2ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias de Uberlândia/MG, o suscitado. De certo modo, é compreensível essa divergência de interpretação entre doutrinadores e magistrados, haja vista: 1) o fato de a Justiça Eleitoral ainda não possuir lei complementar dispondo sobre a organização e competência dos Tribunais, dos juízes de direito e das Juntas Eleitorais, passados mais de vinte anos da promulgação da Constituição Federal de 1988; 2) a competência da Justiça comum estadual abranger todas as demais matérias que não estão contidas no universo de atuação das Justiças Federal, do Trabalho, Militar e Eleitoral, por ter natureza residual.


Certamente essas divergências já estariam encerradas se o Congresso Nacional tivesse dado cumprimento ao que determina o art. 121 da Constituição Federal. Enquanto os nossos nobres deputados e senadores não aprovarem a referida Lei Complementar, os magistrados ainda terão que continuar se valendo dos dispositivos do velho e bom Código Eleitoral, de 1965, mais precisamente dos seus arts. 22, 23, 29, 30, 35 e 40, que foram recepcionados com estatura de lei complementar. Assim, pelas razões acima expostas, convencido de que a matéria debatida é eleitoral, com fulcro nos arts. 29, I, alínea e e 35, III, do Código Eleitoral, nos filiamos à corrente que reconhece a Justiça Eleitoral como o órgão competente para processar e julgar as demandas que versem sobre a ordem de convocação dos suplentes no sistema de representação proporcional, ressalvada a hipótese do art. 102, I, d, da Constituição Federal. Campo Grande/MS, março de 2011




Postado por Carlos Eduardo Bruno Marietto

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